* Artigo de Pedro Krupenski, Director de Desenvolvimento da Oikos, publicado no Portal Impulso Positivo.
Como tábua de salvação para a crise económica, para a crise financeira e para a crise de paradigmas, têm sido utilizadas ad nauseum no léxico da actualidade nacional e internacional, expressões como empreendedorismo, inovação e desenvolvimento sustentável.
Resta pois explorar o seu alcance e aferir as possíveis concretizações que tais conceitos podem ter. Não sobram dúvidas que uma possível saída daquelas crises será através da não conformação com elas, materializada em novos empreendimentos que tragam mudança e renovação e que, sobretudo, contribuam em igual medida para o crescimento das economias ao serviço das pessoas e no respeito pelo ambiente.
Julgo que é (apenas!) até aqui que chega o consenso. Este deixa de existir a partir do momento em que se discutem as formas através das quais estes sonhos se podem tornar realidade. Em Portugal, perdeu-se recentemente uma excelente oportunidade de dar vida a estes conceitos. Optou o legislador por induzir, sine die, a “galinha dos ovos de ouro” a um coma profundo, ao não incluir como preconizado, na nova Lei de Bases de Economia Social, a figura da empresa social.
Na perspectiva do empreendedorismo, da inovação e do desenvolvimento sustentável a “galinha dos ovos de ouro” é a empresa social. Só esta, como demonstram benchmarks da figura noutras partes do mundo, consegue contribuir de forma equilibrada, com igual valor para as três dimensões essenciais do desenvolvimento sustentável (triple bottom line): pessoas, planeta e lucro1.
Só uma empresa que, desde logo no seu objecto social inclui estas três dimensões, garante a verdadeira sustentabilidade e perdurabilidade dos efeitos positivos no interesse também das gerações futuras. Ao não fazer prevalecer a componente económica (sobretudo se esta for, como tem sido, a procura a qualquer preço e imediata do lucro) sobre as pessoas e os seus direitos e sobre os recursos naturais, garantirá muitos e saudáveis anos de lucro. Senão vejamos:
Estas crises, como está consensualmente diagnosticado, resultaram da especulação financeira sem regras e escrúpulos que, num mundo sem fronteiras (se não para as pessoas) gera muita riqueza para muito poucos à custa do empobrecimento de muitos. É verdadeiramente surpreendente que, depois de feito este diagnóstico, ainda hesitem designadamente os líderes europeus, em regulamentar, através da revisão da Directiva Europeia sobre os Mercados de Instrumentos Financeiros2, a especulação dos futuros dos commodities que incluem bens alimentares. Graças a esta especulação desregulamentada, os preços dos alimentos sofrem artificialmente uma tal volatilidade de preços que se tornam inacessíveis (apesar de disponíveis) a milhares de milhões de pessoas por todo o mundo.
Uma empresa social não poderia viver destes expedientes, não jogaria à roleta usando o pão como ficha de aposta. Estaria no seu próprio ADN compreender que o lucro, o verdadeiro lucro (que inclui dividendos sociais e ambientais) só se obtém ao investir-se nas pessoas ou a favor delas.
Lamentavelmente o legislador português (ainda?) não compreendeu esta realidade. Continua assombrado, por um lado, pelos fantasmas do capital e, por outro, pela impossibilidade dogmática (também ela um fantasma) de intervenções de cariz social e ambiental gerarem (também elas) lucro.
Seria de esperar de um Estado cujo papel se vê inexoravelmente recuando face aos cidadãos e outras instituições que, pelo menos, criasse a nível legislativo e fiscal as condições para que os empreendedores e os inovadores começassem – e já é tarde! – a construir o edifício da sustentabilidade. Quantos mais anos teremos que esperar, quantas mais pessoas terão que sucumbir, quantos mais pedaços de planeta terão que ser feridos para que se compreenda que o lucro de todos está em investir nas pessoas? Quanto tempo mais teremos que esperar até que se compreenda que é lucrativo investir nos Direitos Humanos? Que ao investir nas pessoas estaremos a assegurar o seu bem-estar e a sua disponibilidade como consumidores?
Ora se as opções de obtenção do lucro, descurando as pessoas e o ambiente constituem o esventrar da “galinha dos ovos de ouro” (pois sem pessoas e sem planeta como recurso, para nada servirá o lucro), optar por deixar de fora da legislação de base figuras tão importantes para impulsionar a mudança como é a empresa social, é induzir a galinha a coma, a coma profundo.
1 Também conhecida por, na expressão inglesa, 3P: People, Planet and Profit.
2 https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2011:0656:FIN:pt:PDF.