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COP26 – uma mão cheia de nada

“A COP 26 veio provar que o planeta – ou melhor, que a maioria dos decisores que nele mandam – gostam de brincar com o fogo, e que preferem sacrificar tudo para obter efémeras vitórias eleitorais ou económicas.”

Artigo de José Luís Monteiro, project officer da Oikos, sobre a COP26 onde participa em representação da Plataforma Portuguesa das ONGD.


Antes da COP22, pediram-me para escrever um texto sobre o que esperava que saísse dessa reunião. Seria a minha segunda participação numa COP, em representação da Plataforma Portuguesa das ONGD, e estava, tal como muitos outros, cheio de esperança pós-Paris. Na altura, escrevi lembrando as palavras de Carl Sagan que, durante um debate televisivo e à frente de Henry Kissinger, descreveu a corrida ao armamento nuclear como uma situação em que dois inimigos estão presos numa sala, têm gasolina pelos joelhos, um tem 9.000 fósforos e o outro tem 7.000, mas estão a discutir quem é o mais forte, quem tem mais fósforos. Disse eu que achava que vivíamos outros tempos e que o futuro planeta não era mais uma questão de fósforos. Estava enganado.

A COP 26 veio provar que o planeta – ou melhor, que a maioria dos decisores que nele mandam – gostam de brincar com o fogo, e que preferem sacrificar tudo para obter efémeras vitórias eleitorais ou económicas.

 

Antes desta COP arrancar, a Oikos publicou um texto onde alertava para o facto de estarmos numa rota que nos levaria a 2,7ºC de aumento de temperatura média do planeta em 2100 (muito acima dos 1,5º acordados em Paris) e em que descrevia os resultados que gostaria de ver saírem da COP26. Até à altura que escrevo o texto (manhã da véspera de encerramento da Conferência) não temos grandes motivos para sorrir.

 

  • Realinhar a nossa trajetória atual, com o objetivo de 1,5ºC

Com os novos compromissos de longo prazo, estamos em rota para um aumento de entre 2,1º e 2,4º até 2100. Apesar de ser melhor do que 2,7º, convém recordar que isto apenas ocorrerá se todos cumprirem tudo a que se propõem em termos de NDC (Nationally Determined Contributions) e isso depende de muitos fatores, sobretudo da transferência de conhecimento e financiamento. Portanto, mesmo estes 2,4º são uma espécie de promessa global condicionada.

 

  • Financiamento para a transição dos países em desenvolvimento

Em 2009, os países desenvolvidos comprometeram-se em alcançar 100 mil milhões de dólares de financiamento novo anual para apoiar a transição dos países em desenvolvimento até 2020, no entanto nunca atingiram esse valor (os valores mais otimistas de 2019 apontavam para 80 mil milhões – incluindo empréstimos e investimento privado – , mas a maioria considera estes valores inflacionados – por exemplo, a Oxfam estima os valores reais rondarão 1 terço do valor apresentado).

De Glasgow sairá no máximo um reconhecimento oficial de que ainda não se conseguiu cumprir o prometido em Copenhaga (o texto da declaração não está finalizado, pelo que até essa referência poderá cair) e a promessa de fazer melhor no futuro.

Mais uma vez, nem uma palavra sobre dívidas… Nem sobre a dívida climática que os países desenvolvidos têm para com os países em desenvolvimento (uma vez que os países ricos são os principais responsáveis pela Crise Climática), nem sobre soluções para a dívida pública dos países em desenvolvimento (com muitos dos mecanismos propostos para financiar as NDC e a adaptação a contribuírem para criar nova dívida em países sobre endividados).

 

  • Concretizar as Perdas e Danos como forma de apoiar as comunidades mais afetadas

O parente pobre do combate às alterações climáticas foi mais uma vez chutado para a próxima reunião. Com as Perdas e Danos estamos a falar de compensar os mais afetados pelas impactos das Alterações Climáticas que não foram ou não poderão ser evitados. Os mecanismos criados sob a égide de COP passadas continuarão a não estar operacionalizados e a não estar financiados devidamente. Esta traição do Norte Global aos países do Sul estará (ao que tudo indica) inscrita na declaração final de Glasgow onde se pode ler, literalmente, que fica para a próxima. Entretanto, as populações mais desfavorecidas dos países mais desfavorecidos continuarão a perder o pouco que têm, incluindo as próprias vidas. Mais uma promessa adiada.

 

  • Planos, não promessas

Era o que a Sociedade Civil pedia, mas não obteve… Esta COP está repleta de promessas, mas toda a gente começa a ficar de pé atrás. Mesmo os compromissos mais interessantes assumidos nesta COP (os acordos sobre Florestas e redução de metano) soam mais a promessas vãs do que compromissos assumidos anteriormente. Talvez seja a ausência de alguns stakeholders importantes nesses acordos, talvez seja porque a chama de esperança que saiu de Paris esteja a desaparecer e todos os textos parecem ser mais do mesmo.

 

Antes da COP 22 eu dizia que o mundo já não era uma questão de fósforos, mas estava enganado. Continuamos na mesma sala que Carl Sagan referia, com gasolina até aos joelhos; a diferença é que já não estamos a discutir quem tem mais fósforos, sabemos que alguns preferem queimar tudo em vez ajudar a procurar a porta de saída.