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Comércio para o Desenvolvimento, sf.f.

A questão agrícola tem-se destacado na Agenda de Doha para o Desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC), que se reune em Hong Kong de 13 a 18 de Dezembro. Mas de igual importância são as negociações sobre o Acesso ao Mercado Não Agrícola. Tal como na Agricultura, as necessidades e os interesses dos países mais pobres estão longe de ser respeitados.

 

As negociações sobre o Acesso ao Mercado Não Agrícola (NAMA) têm como objectivo a redução das barreiras nacionais, especialmente tarifas aduaneiras, à entrada de produtos industriais. O objectivo das negociações é continuar o processo de liberalização do comércio industrial iniciado com o primeiro Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT) em 1947 e que nas sucessivas rondas de negociações levou à redução substancial das tarifas aduaneiras.

 

As equipas negociadoras dos países desenvolvidos exigem um acesso real aos mercados dos países em desenvolvimento para os seus produtos industriais. E isto através de uma forte redução das tarifas aduaneiras. Mas os países em desenvolvimento têm revelado grande preocupação com a direcção que as negociações têm vindo a assumir. Eles já avisaram que a abertura  excessiva às importações, tal como proposto pelos países desenvolvidos, acabaria por destruir as indústrias e empregos locais, sem trazer qualquer ganho económico. Ao mesmo tempo, seriam também sujeitos a problemas nas balanças de pagamentos, perderiam receitas provenientes das tarifas aduaneiras e a possibilidade de um futuro desenvolvimento industrial seria comprometido.

 

Por força das exigências dos países desenvolvidos nas negociações do NAMA, a visão que os países em desenvolvimento têm agora é de que as importações acabarão por minar e até destruir o seu crescimento industrial. Porque se as exigências, que passam por uma abertura excessiva dos mercados dos países em desenvolvimento, forem aceites, estes últimos deixarão de ter a flexibilidade necessária para decidir sobre a sua política aduaneira.  E a verdade é que todos aqueles países que hoje em dia são desenvolvidos construiram as suas indústrias através de algum tipo de protecção selectiva dos seus produtores domésticos.

 

Uma forte base industrial é crítica para o desenvolvimento económico. A flexibilidade para estruturar e estabelecer tarifas aduaneiras de acordo com as condições económicas domésticas é essencial para se desenvolver essa base industrial. O uso de tarifas permite aos países controlar o preço, a velocidade e o volume a que as importações entram nos seus mercados para proteger os mercados locais até que seja o momento certo para a sua abertura total.

 

Isto não quer dizer que as importações sejam más. Elas desempenham um papel positivo no desenvolvimento industrial. A abertura das fronteiras permite a entrada de produtos que não são produzidos localmente a preços mais baixos. Isto é particularmente útil se esses produtos contribuirem para o desenvolvimento do sector industrial local. Por outro lado, a competição gerada pelas importações também pode desempenhar um papel importante ao estimular a inovação e a produção mais eficiente pelas empresas locais. Foi precisamente uma política de equilíbrio entre proteccionismo e liberalismo comercial que ajudou e tem ajudado o rápido desenvolvimento da Coreia do Sul, Taiwan, Vietname, China e outros países do Sudeste Asiático.

 

O comércio internacional, que triplicou nos últimos 20 anos, tem sido um importante elo de ligação entre países ricos e pobres. Essa interdependência tem contribuido para que milhões de pessoas escapem à pobreza. Mas a verdade é que os custos e benefícios do comércio internacional têm sido distribuidos de forma desigual. Nos últimos 20 anos, os 48 países menos desenvolvidos, com 10% da população mundial, viram o peso das suas exportações no total mundial descer para 0,4%. Com a mesma população, os Estados Unidos da América e a União Europeia controlam 50% do comércio internacional.

 

As exigências dos países desenvolvidos nas negociações sobre o NAMA são chocantes porque desrespeitam a Declaração de Doha  – adoptada em 14 de Novembro de 2001 – onde declararam reconhecer  “reconhecer a necessidade de que todos os povos beneficiem do aumento de oportunidades e dos avanços no bem-estar gerado pelo sistema multilateral de comércio. A maioria dos membros da OMC são países em desenvolvimento. Procuramos colocar as suas necessidades e interesses no centro do nosso Programa de Trabalho”. Se calhar o melhor mesmo é que, tal como diz Dan Rodrik, o conceituado economista norte-americano de Harvard, a Ronda de Doha fracasse.

 

Luís Mah e Vítor Simões
oikos – cooperação e desenvolvimento