Institucionais

Carta Aberta à CPLP – Guiné Equatorial

Comunicado de Imprensa
04/03/2013

 

Carta Aberta à CPLP – Guiné Equatorial


As entidades subscritoras da presente Carta Aberta, que integram o movimento “Por uma Comunidade de Valores” (www.movimentocplp.org) enviaram aos mesmos destinatários uma outra missiva tomando uma posição face à anunciada intenção da Guiné Equatorial aderir à CPLP como membro de pleno direito. Em tal missiva, instaram os governos membros da CPLP a:

 

1.Recusarem a adesão da Guiné Equatorial à CPLP como membro de pleno direito enquanto não estiver comprovado materialmente (e não apenas formalmente) o cumprimento das condições expressas nos Estatutos da CPLP;

2.Estabelecerem pré-requisitos formais e substantivos de liberalização política e de canalização das receitas nacionais para a melhoria efectiva das condições de vida das populações dos países candidatos à CPLP, ao abrigo dos princípios orientadores do Primado da Paz, da Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos Humanos e da Justiça Social e da Promoção do Desenvolvimento consagrados no artigo 5º dos Estatutos da CPLP;

3.Promoverem as práticas democráticas, a boa governação e o respeito pelos Direitos Humanos entre os seus membros, espelhando-os nas actividades e estratégias de alargamento e aprofundamento da organização ao abrigo do nº 2 do artigo 5º dos Estatutos da CPLP;

4.Reconsidarem o estatuto de Observador atribuído ao abrigo do artigo 7º dos Estatutos da CPLP seja em função do progresso obtido nos três domínios em questão – i) melhoria das práticas democráticas e de boa governação; ii) melhoria do funcionamento do Estado de Direito e da defesa dos Direitos Humanos; e iii) melhoria das condições de vida das populações – podendo o mesmo ser revogado por deliberação da Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP.

 

Na IX conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP que teve lugar em Maputo, em Julho de 2012, foi decidido, relativamente à Guiné Equatorial, adiar a decisão sobre a candidatura até 2014. Até lá a Guiné Equatorial comprometia-se a colocar-se em conformidade com os direitos humanos e demais exigências dos Estatutos da CPLP e, esta Comunidade, comprometia-se a acompanhar e monitorizar esta evolução.

 

Em concreto, a Declaração de Maputo, a este respeito aduz que os dirigentes presentes destacam: “(…) Os esforços, já desenvolvidos, pelas autoridades da Guiné-Equatorial com vista ao cumprimento do Programa de Adesão acordado com a CPLP, incentivando-as na implementação dos Planos de Acção, da sua responsabilidade, e constituindo um Grupo Permanente de Acompanhamento Conjunto, mandatado pelo Conselho de Ministros, com termos de referência, claramente definidos, que monitorize e ajude a Guiné-Equatorial a implementar as acções acordadas, para que possa convergir com os Objectivos e Princípios Orientadores da Comunidade, respeitando as disposições estatutárias da CPLP. (…)“.

 

Recentemente (Janeiro de 2013) o Secretário Executivo da CPLP, Murade Murargy, visitou a Guiné Equatorial. À comunicação social manifestou a sua satisfação ao verificar “os progressos” e a “grande abertura” daquele país.

 

O movimento “Por uma Comunidade de Valores“, bem como outras organizações de direitos humanos como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, que têm acompanhado a situação dos Direitos Humanos na Guiné Equatorial, não verificam quaisquer progressos nem tão pouco motivos para satisfação.

 

Com efeito, a pena de morte continua em vigor no país, a corrupção, a pobreza, as detenções arbitrárias, os julgamentos injustos, os maus-tratos designadamente dos prisioneiros, a tortura, as limitações à liberdade de imprensa, de expressão, de associação e de manifestação continuam a ser práticas correntes que vitimizam grande parte da população deste país que ostenta um dos mais altos PIB per capita do Continente Africano e simultaneamente um dos Índices de Desenvolvimento Humano mais baixos.

 

A contribuir para este clima de terror tem-se empenhado o filho mais velho de Teodoro Obiang Nguema (o Presidente deste país desde 1979, que chegou ao poder através de um golpe de Estado), de seu nome Teodoro Mangue Obiang, ou Teodorín, apontado como o sucessor do pai. Este homem é procurado pela justiça francesa por crimes de corrupção e fiscais.

 

Alguns exemplos das vítimas deste ditador são:

 

Wenceslao Mansogo foi detido a 9 de Fevereiro de 2012 e, em julgamento nos dias 4 e 5 de Abril de 2012, foi condenado a 7 de Maio de 2012 a três anos de prisão por “negligência profissional”, tendo sido o seu processo motivado por questões políticas, ao ser um defensor dos direitos humanos e figura de proa da Convergência Para a Democracia Social (CPDS). A acusação não apresentou nenhuma prova que sustentasse negligência profissional. No dia 4 de Junho de 2012, Wenceslao Mansogo foi indultado.

 

Ponciano Mbomio Nvó, um dos advogados de Wenceslao Mansogo, foi suspenso no exercício da sua profissão por um período de dois anos depois de ter criticado o governo durante as alegações finais deste julgamento. Foi suspenso pela Ordem de Advogados da Guiné Equatorial a 27 de Abril de 2012. Apresentou uma denúncia na União Internacional de Advogados, solicitando a anulação da ordem de suspensão. Já havia sido suspenso em 2008, em circunstâncias similares.

 

Florentino Manguire Ovina esteve detido, arbitrariamente, durante 10 dias, em Agosto de 2012. Foi detido em Bata a 11 de Agosto de 2012, logo transferido para Malabo, sem que lhe tenha sido formalizada culpa ou tenha sido presente a tribunal nas 72 horas após a detenção. É um antigo sócio de Teodoro Nguema Obiang Mangue, filho de Teodoro Obiang Nguema e actual Vice-Presidente Segundo do país. Já havia estado em 2008 detido sem acusação formulada após ter entrado em divergências com Teodoro Nguema Obiang. O seu advogado era Ponciano Mbomio Nvó. Este afirmou que Manguire havia sido detido, possivelmente, por suspeitas de ter passado a um meio de comunicação (Radio Macuto) uma série de documentos que descrevem as práticas comerciais do filho do Presidente Obiang. Nunca se provou.

 

Fabian Nsué é um dos principais advogados de presos políticos da Guiné Equatorial, tendo sido detido após visitar Agustín Esono Nzogo na prisão de Black Beach, considerada uma das piores prisões do mundo. Recebeu o Prémio Internacional de Direitos Humanos da Associação Pró Direitos Humanos de Espanha em Janeiro de 2013.

 

Agustín Esono Nzongo, além de ser neto de Pedro Motu Mamiaga, antigo oficial do exército que passou para a oposição e foi detido e assassinado em 1993, é director de um colégio e mantinha contactos frequentes com a secção em França da Transparency International, organização que analisa os índices de corrupção no mundo e tem sido activa nas investigações à alegada apropriação indevida de fundos do Estado pela família Obiang, em França e nos Estados Unidos. Agustín Esono ainda está preso.

Daniel Dario Martinez Ayecaba, líder da União Popular (UP), foi detido quando se preparava para embarcar num avião com destino a Madrid para uma reunião da plataforma da oposição CEIBA, que junta políticos no exílio, opositores na Guiné Equatorial (o caso da UP) e activistas. A ordem de detenção foi dada pelo ministro da Segurança Nacional, Nicolás Obama Nchama, segundo o comunicado da CPDS que informa que Daniel Darío terá sido levado para “Black Beach”. Daniel Darío tinha recentemente qualificado a prisão de um advogado da área dos direitos humanos, Fabian Nsue, como “politicamente motivada”.

 

Pablo Ndong Engonga militante da Convergência para a Democracia Social (CPDS) foi detido em Kogo no passado dia 18 de Janeiro de 2013 e posteriormente torturado apenas porque era portador de alguns documentos do seu partido.

 

A estes juntam-se muitos outros casos entres os quais a expulsão arbitrária de imigrantes, a violação de mulheres pelas forças policiais, etc.

 

Assim e face a estes eventos comprovados, os subscritores da presente carta, instam o Secretário Executivo da CPLP a:

 

Fundamentar com factos a sua afirmação sobre os “progressos” verificados;

divulgar quais os indicadores e referenciais utilizados para a verificação dos “progressos”;

estar aberto à informação da Sociedade Civil, designadamente das organizações de direitos humanos e da diáspora da Guiné Equatorial.

 

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2013

 

Assinam,

 

ACEP – Associação de Cooperação entre os Povos; Ana Lúcia Sá; CIDAC – Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral; Eduardo Costa Dias; Fátima Proença; Fernando Sousa; Gerhard Seibert; João José Fernandes; João Paulo Batalha; Luísa Teotónio Pereira; Marina Costa Lobo; Oikos – Cooperação e Desenvolvimento; Pedro Krupenski; TIAC – Transparência e Integridade Associação Cívica.

 

Sobre a Oikos

A Oikos – Cooperação e Desenvolvimento é uma Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD) que completa 25 anos em 2013, tendo sido constituída em 1988, em Portugal. Em 1992, o Estado Português reconheceu-lhe o estatuto de Pessoa Coleciva de Utilidade Pública e, em 2000, foi-lhe atribuído o Estatuto Consultivo junto do Conselho Económico e Social das Nações Unidas (ECOSOC). Tem como missão erradicar a pobreza extrema e garantir que todas as pessoas usufruam do direito a uma vida digna. Com projetos nas áreas de Ação Humanitária, Vida Sustentável e Cidadania Global, o trabalho da Oikos estende-se atualmente por Costa Cuba, El Salvador, Guatemala, Honduras, Moçambique, Nicarágua, Peru e Portugal.


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