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A solidariedade nem sempre faz mover o Mundo

Apesar de – felizmente – o léxico internacional do sector ter evoluído no sentido de já não lhe chamar “ajuda” mas “ação” humanitária, a verdade é que quando se fala em ação humanitária somos imediatamente remetidos para a solidariedade, para o apelo à partilha, para comportamentos abnegados a favor dos mais desfavorecidos. No entanto, não deve ser assim pois a solidariedade inclui ainda um elemento volitivo, isto é, eu posso querer ou não querer agir a favor dos que – por alguma estranha razão – vivem em situação de desigualdade face às minhas circunstâncias. 

Promover um mundo mais justo e equitativo, não deve ser uma questão de vontade, mas uma questão de justiça no sentido mais pleno do seu significado. Partindo do princípio de que parte a Declaração Universal dos Direitos Humanos de que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”, o facto de as circunstâncias levarem alguns a afastar-se deste truísmo gera responsabilidades (e não possibilidades de escolha) para a sua reposição. Agir humanitariamente é, pois, uma questão de justiça e não uma questão de solidariedade.

 

Agir em prol dos outros, em particular daqueles cuja liberdade e igualdade (em dignidade e direitos) estão em causa, é uma responsabilidade quotidiana de todos quantos fazemos parte da família humana. É, por isso, importante existirem dias temáticos como o Dia Mundial da Ação Humanitária para nos recordar desta nossa responsabilidade e, sobretudo, para nos instruir e sensibilizar sobre a melhor forma de a exercer. Não basta a generosidade, como a de uma senhora que insistia em oferecer a uma ONG dois mil pares de luvas de lã para serem enviadas para o Sri-Lanka após o tsunami que assolou o sudeste asiático no dia 26 de Dezembro de 2004, ignorando o facto de aquele país (subtropical), nem no apogeu do desenvolvimento, precisar de tantas luvas de lã.

 

Não basta pois a generosidade. É preciso sentido de Justiça e esta – “dar a cada um o que é seu” – pressupõe que se saiba (ou que se procure saber) o que é de cada um para se lho atribuir. E quando sabemos o que é de cada um, não descansamos enquanto não lho damos. É essa a base do continuum em que assenta a intervenção da Oikos – Cooperação e Desenvolvimento. Com efeito, a nossa atividade encontra-se estruturada em continuum nas áreas da emergência/ação humanitária, desenvolvimento/vida sustentável e mobilização/cidadania global. Existe um encadeamento lógico e sequencial entre estas três áreas: intervindo em contexto de ação humanitária e de emergência, a Oikos acode às necessidades mais básicas postas em causa por catástrofes naturais (ou provocadas pelo Homem) criando as condições para a fase de desenvolvimento, que se lhe segue, isto é, retirando as pessoas da situação de emergência, fazendo-o já tendo em conta o que, com elas, poderá fazer a seguir. Com as pessoas identificamos os seus problemas. Com as pessoas identificamos as soluções para os problemas. Com as pessoas implementamos essas soluções. Só isto garante a vida sustentável. Neste processo conhecemos de forma mais próxima e real os obstáculos que as pessoas vão enfrentando e as ameaças aos seus direitos. Recolhemos assim a “matéria-prima” para o eixo da mobilização/cidadania global que visa, através da sensibilização da opinião pública e da influência de políticas públicas, criar o ambiente favorável para que o trabalho desenvolvido junto das populações surta o efeito desejado.

 

É esta (deveria ser) a “estrutura óssea” da ação humanitária. É este o ciclo que deve substituir o ciclo da pobreza. A pobreza, como uma das formas transversais mais atentatórias da dignidade humana, não é uma fatalidade. É sim fruto de decisões que, mais ou menos remotamente ou mais ou menos diretamente a causaram. Como tal, pode ser alterada se alterarmos as decisões … as nossas decisões.

 

Que o Dia Mundial da Ação Humanitária sirva para nos levar a alterar (pode-se sempre melhorar!) as nossas decisões e opções perante os outros e o mundo.

 

Como disse Mia Couto: ”Não é segurando nas asas que se ajuda um pássaro a voar. O pássaro voa simplesmente porque o deixam ser pássaro”.

Pedro Krupenski, Diretor de Desenvolvimento da Oikos | 19 de agosto 2015