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As complicadas contas do combate às alterações climáticas

Artigo de José Luís Monteiro, Oikos – Cooperação e Desenvolvimento, para a revista da Plataforma das ONGD nº24 “Financiar o Desenvolvimento: Compromissos e Desafios”

 

A ONU usa o termo financiamento climático para se referir ao dinheiro que é destinado a ações de mitigação e adaptação às alterações climáticas, ou seja, o montante que precisa de ser gasto em atividades que contribuirão tanto para reduzir as emissões globais de gases com efeito de estufa, como para adaptar as comunidades às novas condições climáticas.

Apesar da sua evidente importância, o financiamento climático é um daqueles temas que só aparece verdadeiramente nos radares dos media e do grande público durante duas semanas por ano, aquando da realização da COP (a última, que decorreu em Glasgow, resultou em mais desilusão e esperanças adiadas).

 

Em 2009, os países mais ricos concordaram em aumentar progressivamente as verbas disponibilizadas para ajudar os países em desenvolvimento a combater as alterações climáticas, até atingir os 100 mil milhões de dólares em 2020. Desde então já se passou mais de uma década, 11 COPs, 1 pandemia e a concentração de CO2 na atmosfera já subiu 8%… E continuamos a discutir quão perto dessa meta estamos verdadeiramente.

 

Quanto?

A verdade é que não sabemos. Uma análise simples dos fluxos financeiros que alegam ser destinados ao combate às Alterações Climáticas, em 2019 e 2020, diria que já atingimos a meta dos 100 mil milhões. Uma vez que globalmente foram investidos em média 632 mil milhões em cada um destes anos e, apesar de 75% dos fundos ficarem na Europa Ocidental, Estados Unidos, Canadá e Ásia Oriental (sobretudo China), os valores disponibilizados para os países em desenvolvimento parecem estar muito perto dos 100 mil milhões.

No entanto, todas as análises mais profundas (ainda não disponíveis para 2019/2020) que vêm sido realizadas aos valores declarados, mostram que os fundos que realmente são disponibilizados em condições aceitáveis são muito inferiores.

A título de exemplo, a Oxfam determinou que, para 2016, os valores apresentados pelos países desenvolvidos estavam altamente inflacionados e apenas cerca de 1/3 desse valor deveria ser considerado como contribuindo para a meta dos 100 mil milhões.

 

Quando?

Era suposto ser para 2020. Não foi, e de Glasgow não saíram novas metas ou novas datas concretas. O melhor que se conseguiu foi o estabelecimento de um “programa de trabalho” para definir novos objetivos quantificados, tendo ficado no ar que os 100 mil milhões efetivos seriam atingidos em 2023 (portanto, o melhor que podemos dizer é que está “apalavrado”).

Mais alarmante será o cenário se expandirmos a análise para o nível global. Em primeiro lugar, nem sequer há uma meta global estabelecida, o melhor que temos são estimativas do valor de investimento necessário para cumprir o Acordo de Paris. Para piorar estamos tão longe desse valor que parece que os alertas não estão a ser ouvidos por ninguém. Apesar do valor do financiamento climático global anual ter aumentado 74% entre 2011 e 2020, precisar-se-ia aumentar 590% até 2030 para estarmos no rumo certo para manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC no final do século.

Mas o financiamento climático não se pode resumir às perguntas “quanto” e “quando”. O “quem”, “como” e “o quê” são questões igualmente importantes.

 

Quem?

75% dos 632 mil milhões investidos anualmente, em 2019 e 2020, foram mobilizados através de fundos domésticos. Para os países pobres, que não têm fundos significativos em casa, o financiamento climático oferece um leque de opções muito mais limitado. É sobretudo aqui que entram as Instituições Financeiras de Desenvolvimento (DFIs) e os Fundos Climáticos internacionais, e também é aqui que deve entrar a cooperação bilateral.

Nos últimos anos, as instituições privadas têm assumido grande importância no financiamento climático, representando atualmente 49% do total global. No entanto, os valores globais são enganadores, porque estas instituições procuram lucros rápidos e rendimento garantido, pelo que investem sobretudo em projetos de energias renováveis nos países desenvolvidos ou nas economias emergentes, ignorando completamente as necessidades de grande parte da população global.

Basta verificar que 60% dos 105 mil milhões investidos na Europa Ocidental provêm de financiadores privados, enquanto apenas 10% dos 19 mil milhões investidos na África Subsaariana são obtidos a partir de fontes privadas de financiamento. Fica provado que, pelo menos atualmente, não podemos depender de privados para combater as alterações climáticas nos países em desenvolvimento e, consequentemente, cumprir o Acordo de Paris.

 

Como?

Outro aspeto crucial do financiamento climático é a forma de processamento deste financiamento. Embora existam vários tipos de financiamento (incluindo subvenções, empréstimos concessionais, empréstimos não concessionais, capitais próprios, etc.) nem todas são adaptadas às realidades dos países em desenvolvimento.

A utilização de qualquer instrumento financeiro que contribua para o aumento (presente ou futuro) da dívida pública de um país em desenvolvimento tem, obrigatoriamente, de ser analisado com extrema profundidade antes de ser utilizado por qualquer governo responsável.

Há muito que a sociedade civil defende que o financiamento de medidas contra as alterações climáticas sob a forma de empréstimos, especialmente os empréstimos não concessionais[1] não deve ser contabilizado da mesma forma que os outros tipos de financiamento das medidas climáticas. As organizações da sociedade civil (OSC) têm exercido pressão junto dos doadores para privilegiarem as subvenções como forma de apoiar a transição climática nos países em desenvolvimento, dado que criam benefícios significativos sob a forma de maior sustentabilidade da dívida e maior manobra orçamental para alcançar os objetivos de desenvolvimento do país.

A dívida de países de baixo e médio rendimento do Sul vem crescendo, há vários anos, de forma regular. Contudo, a situação piorou muito nestes anos de crise económica global associada à pandemia e à invasão da Ucrânia, e o número de países do Sul Global criticamente endividados cresceu para 148 países, em 2020.

No entanto, apesar dos inúmeros avisos da sociedade civil – bem como dos governos de estados em desenvolvimento e de várias instituições internacionais – e apesar do grave sobre-endividamento dos países em desenvolvimento, os montantes disponibilizados por subvenção têm aumentado muito mais lentamente do que os montantes disponibilizados de outras formas. Por exemplo, dos 632 mil milhões utilizados anualmente, em 2019 e 2020, apenas 36 mil milhões por ano foram feitos sobre a forma de subvenção.

 

O quê?

No financiamento climático, pelo menos tão importante como o “quanto”, é “em quê” este dinheiro está a ser gasto. Em termos gerais, os sistemas de energia renovável e transporte sustentável nos países desenvolvidos e nas economias emergentes consomem a maior fatia do financiamento de medidas contra as alterações climáticas, enquanto os projetos de adaptação têm muito poucas dotações.

Dados recentes mostravam que apenas 46 mil milhões dos 632 mil milhões foram gastos em projetos de adaptação (aos quais podemos juntar 15 mil milhões em projetos que contribuem simultaneamente para adaptação e mitigação). Apesar deste valor ser apenas 7,2% do total do financiamento climático global anual, representa uma melhoria considerável em relação aos 5% que eram investidos em projetos de adaptação há 5 anos.

Sobretudo para os países em desenvolvimento, é imprescindível que se aumente ainda mais o investimento público em adaptação. Os fundos privados raramente fluem para projetos de adaptação porque, se os projetos de energias renováveis têm uma boa taxa de retorno, é muito mais difícil reunir bons argumentos de negócio para projetos de adaptação – como construção de muros marítimos e modernização de infraestruturas.

  

 

Mais?

A todos estes problemas acrescem as perdas e danos provocados pelas alterações climáticas. Enquanto os países do Norte Global continuam a não querer discutir o assunto, nem a contabilizar as perdas e danos que as nações em desenvolvimento sofreram no passado, o problema continua na mente dos decisores políticos e na vida das populações, especialmente do Sul Global. Prevê-se que as perdas e os danos cresçam nas próximas décadas, em maior ou menor dimensão, conforme o nível de aumento da temperatura global. Não se trata apenas de perdas resultantes de eventos climáticos extremos. As catástrofes de eclosão lenta também contribuirão para o aumento dos danos, por exemplo, sob a forma da subida do nível do mar, da extinção de espécies e do aumento da salinidade do solo. As perdas e danos futuros para os países em desenvolvimento estão estimados em 428 mil milhões de dólares anuais em 2030 e em 1,67 biliões de dólares em 2050, se as temperaturas globais aumentarem 3°C.

Todos os anos, a necessidade imperiosa de acelerar o combate às alterações climáticas está no centro de inúmeros alertas lançados por vários atores da sociedade (desde organizações da sociedade civil às Nações Unidas, de líderes religiosos a adolescentes de vários países, de grupos de cientistas a representantes de grupos indígenas, etc.).

Todos os anos são inúmeros os apelos para a melhoria do financiamento climático, para que se coloque as pessoas à frente do lucro.

Todos os anos, responsáveis políticos e económicos optam por fazer o mínimo aceitável para parecer que o combate global às alterações climáticas está entre as suas prioridades.

Não será altura de mudar de atitude? Não será este o tempo certo para levar os alertas a sério? Cada vez que o assunto é discutido ao mais alto nível, vem-me à cabeça uma frase do Senhor dos Anéis:

“Tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado.”



[1] Empréstimos que são concedidos em condições próximas das do mercado, ao contrário dos empréstimos concessionais que são concedidos em condições substancialmente mais generosas do que os empréstimos de mercado, por exemplo com taxas de juro inferiores às disponíveis no mercado ou com períodos de carência, ou uma combinação de ambos.