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COP 26 – Solidariedade, Transparência, Ambição e sobretudo, menos conversa e mais ação

O mundo reúne-se em Glasgow para a COP26. A Oikos, em representação da Plataforma Portuguesa das ONGD, estará presente e, mais uma vez, juntará a sua voz à Sociedade Civil global, exigindo que saiam resultados concretos, práticos e eficazes da conferência.

“May you live in interesting times”

É uma expressão inglesa bastante popular. Apesar da maioria das pessoas acharem que é a tradução de uma maldição chinesa, tal não é verdade, uma vez que não há nenhuma expressão chinesa equivalente.

 

 

Dificilmente seria possível vivermos em tempos mais “interessantes” do que estes. Mesmo que não estivéssemos no meio de uma pandemia, estaríamos no meio de uma crise climática sem precedentes na história registada. Apesar do relatório do IPCC ter feito soar os alarmes globais e do Secretário-Geral das Nações Unidas lhe ter apelidado de “Código Vermelho para a Humanidade”, foi recentemente revelado que a UNFCCC recebeu pressões de vários países para suavizar a linguagem e não dar enfase a alguns pormenores (por exemplo, a Arábia Saudita, a Austrália ou o Japão não querem ouvir falar do abandono progressivo dos combustíveis fósseis, o Brasil e a Argentina não querem ouvir falar das emissões relacionadas com a produção de carne, etc…). Apesar de em Paris, 192 países terem assumido compromissos para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, uma análise mais recente das NDC (Contribuições Nacionalmente Determinadas) revela que não estamos no bom caminho e que, em 2030, estaremos com emissões 16,2% superiores aos valores de 2010. Estamos a afastar-nos da meta do aumento da temperatura global de 1,5ºC em 2100, aliás estamos a caminho de um catastrófico aumento de 2,7ºC.

 

O tempo para a conversa vaga, para as proclamações vazias e para as promessas estéreis já passou. Os tempos interessantes em que vivemos obrigam-nos a isso e, sobretudo, as gerações futuras exigem-nos isso.

 

A Oikos tem juntado a sua voz à da sociedade civil global para pressionar os governos mundiais a concretizar o Acordo de Paris (e os compromissos de Copenhaga, de Katowice, etc…). Esta é uma lista dos resultados que gostariamos de ver obtidos durante esta COP26:

 

Financiamento da transição dos países em desenvolvimento – o prometido é devido

Em 2009, os países desenvolvidos comprometeram-se em alcançar 100 mil milhões de dólares de financiamento anual para apoiar a transição dos países em desenvolvimento até 2020, no entanto nunca atingiram esse valor. Em 2019 os valores mais otimistas apontavam para 80 mil milhões (incluindo empréstimos e investimento privado), mas a maioria considera estes valores inflacionados (por exemplo, a Oxfam estima os valores reais rondarão 1 terço do valor apresentado). É tempo de cumprir a promessa de Copenhaga.

Além disso é tempo dos países desenvolvidos assumirem a uma dívida climática que têm para com os países em desenvolvimento, uma vez que os países ricos são os principais responsáveis pela Crise Climática. Uma das formas de ajudar a pagar essa dívida seria assumir começar a procurar soluções para a dívida pública insustentável (e muitas vezes injusta) que impede os países em desenvolvimento de implementar as políticas sociais e ambientais que precisam para sair do ciclo de pobreza (nos últimos anos, os países mais pobres gastam cinco vezes mais com os serviços da dívida do que com medidas de adaptação às alterações climáticas). Em vez disso, temos visto os países mais desfavorecidos a serem forçados a endividarem-se para tentar cumprir os NDC de Paris. Da COP poderiam sair indicações para que fosse criado um mecanismo de resolução da dívida sob a égide das Nações Unidas.

 

Realinhar a nossa trajetória atual, com o objetivo de 1,5ºC

O último relatório da UNFCCC indica que estamos em linha com um aumento de temperatura de 2,7ºC até ao fim do século. É preciso corrigir a nossa trajetória, é preciso reforçar os NDC e é preciso um compromisso para a não proliferação dos combustíveis fósseis. Sem isso será impossível cumprir Paris…

 

Concretizar as Perdas e Danos (L&D – Loss & Damage) como forma de apoiar as comunidades mais afetadas

Este foi sempre o parente pobre do combate às alterações climáticas (nada de estranhar, visto que estamos a falar de compensar os mais afetados pelas impactos das Alterações Climáticas que não foram ou não poderão ser evitados). Para tal é preciso concretizar e operacionalizar o mecanismo que foi concebido para tratar deste problema, o SNLD (Santiago Network on Loss and Damage). Para tal é preciso estabelecer a sua estrutura de governança, estruturar o financiamento (não só para o secretariado mas também para a sua capacidade de intervenção direta), criar os mecanismos fortes para determinar a extensão dos danos e começar a resolver os problemas das comunidades. É preciso que da COP26 marque o momento em que L&D possa á primeira linha do combate às alterações climáticas.

  

Artigo 6 – transparência e o fim das duplas contagens na mitigação de emissões

O Artigo 6 do Acordo de Paris visa garantir que os países signatários evitam todas as formas de contagem dupla dos seus resultados de mitigação que forem transferidos internacionalmente, criam salvaguardas, garantem a proteção dos direitos humanos e dos povos indígenas, também eliminando progressivamente os mecanismos flexíveis do Protocolo de Quioto. O limbo em que estes processos estão suspensos neste momento, inviabiliza não só a implementação completa do Artigo 6, mas também a sua verificação e controlo externo. É preciso que desta COP saia um acordo definitivo quanto ao quadro de implementação dos principais pontos do Artigo 6 e dos mecanismos de transparência a ele associados

 

Planos não promessas – intenções e metas não bastam, é preciso ação

Sejamos honestos, todos os elementos das delegações que estarão presentes em Glasgow sabem a situação em que o mundo se encontra, a esmagadora dos governos globais têm pelo menos algumas pessoas que sabem que é preciso atacar o problema rapidamente e todos nós percebemos quem está efetivamente comprometido com o combate às alterações climáticas e quem está a mandriar propositadamente. Sobretudo todos sabemos que o tempo das promessas passou há alguns anos, no entanto continuamos a ver alguns dos atores importantes a tentar fingir que fazem alguma coisa… Por exemplo, no início desta semana a Austrália apresentou o seu compromisso para a neutralidade carbónica até 2050, no entanto não tem nenhum plano para reduzir o consumo e a exploração de combustíveis fósseis até 2030 (abriu 3 novas minas de carvão nos últimos tempos) e quer apostar na tecnologia e não no estabelecimento de regras e limites para reduzir as emissões (tecnologia que não existe ainda e um mercado viciado em combustíveis fósseis). O pior é que a Austrália não está sozinha, a Polónia diz que continuará a apostar no carvão e que só fechará a sua última mina em 2049, o Reino Unido acabou de abrir mais uns campos de exploração de gás natural no mar do Norte, os Estados Unidos e o Canadá (apesar de toda a retórica) continuam a expandir os pipelines e a explorar o gás de xisto, etc… Em Glasgow a única coisa que interessa são compromissos com ações e não palavras bonitas.

 

Muito do nosso futuro global depende do que sair de Glasgow.

Uma COP26 produtiva significará um realinhamento global com as necessidades da humanidade e do planeta… Uma COP26 não produtiva e é melhor começarmos a fazer como os bilionários e a olhar com outros olhos para outros planetas.

 

Por outras palavras, na COP 26 de Glasgow será definido o quão “interessantes” serão os próximos tempos… Por nós, que estamos fartos de crises, preferimos fugir à suposta “maldição chinesa”.

 

Acompanhe a COP26 entre 31 de outubro e 12 de Novembro: ukcop26.org