Oikos

Manifesto sobre a política europeia de Ajuda Humanitária

Em Dezembro de 2006, através de um processo de consulta a stakeholders internacionais, a União Europeia iniciou um debate sobre os principais elementos constitutivos do Marco Europeu sobre Ajuda Humanitária, dando o primeiro passo num processo que fornecerá as bases para as grandes linhas que definirão a futura política de Ajuda Humanitária europeia.

 

No âmbito deste processo, a Plataforma portuguesa das ONGD’s, através do Grupo de trabalho sobre Ajuda Humanitária e em consonância com a VOICE – Voluntary Organisations in Cooperation in Emergencies – apela à UE, instituições europeias e em particular ao Estado Português, que o seu posicionamento político se oriente de acordo com os seguintes fundamentos, em nome de um objectivo comum de qualidade e eficácia da Ajuda Humanitária às populações mais necessitadas.

 

• Os princípios humanitários são elementos fundamentais para garantir o acesso da ajuda humanitária às populações mais necessitadas

 

O acesso às populações mais necessitadas é um pré-requisito obrigatório para a realização de acções de ajuda humanitária que poderá ser mais facilmente garantido se os Princípios Humanitários  e o Direito Internacional Humanitários (DIH) forem promovidos e respeitados tanto por Governos como por actores envolvidos em contextos humanitários. Da mesma forma que as decisões políticas da UE e dos seus Estados-Membros não poderão ter consequências humanitárias em países terceiros, a Ajuda Humanitária não poderá ser utilizada como uma ferramenta de instrumentalização política nem integrada como contrapartida de interesses políticos ou militares.

 

• A diversidade de actores civis independentes das estruturas governamentais em acções de Ajuda Humanitária deve ser promovida

 

Recursos para acções de Ajuda Humanitária deverão ser disponibilizados, como regra, a actores humanitários independentes das estruturas governamentais, profissionalizados, com capacidade comprovada e transparentes na sua actividade.

 

As organizações da sociedade civil, nomeadamente as ONG’s, desenvolveram durante anos a sua abordagem em situações de conflito e catástrofe, assente no respeito pelos Princípios Humanitários, o que permitiu assumir um papel essencial e uma reconhecida mais-valia na mitigação das necessidades essenciais de populações em situações de crise e na continuidade com processos duradouros de desenvolvimento. A presença contínua de organizações da sociedade civil europeia nas zonas mais afectadas, reforçada pelas relações fortalecidas com as distintas entidades dos países beneficiários, permite um conhecimento constante das realidades locais e um envolvimento da sociedade civil dos países terceiros nos processos de ajuda humanitária, promovendo a sua participação, capacitação e fortalecimento enquanto agentes activos nos processos internos dos seus países.

 

• A intervenção de actores governamentais na prestação de ajuda humanitária deve ser coordenada e complementar a outros actores e apenas considerada excepcionalmente

 

As forças militares e as protecções civis europeias têm vindo a assumir um papel cada vez mais visível em acções de ajuda humanitária. A sua acção orienta-se, por definição, de acordo com prioridades políticas, não se regendo pelos princípios de imparcialidade, neutralidade e independência no apoio às populações mais necessitadas, o que coloca em risco o acesso não discriminado à ajuda humanitária.

 

A ajuda humanitária deverá ser implementada, como prioridade, através de Agências das Nações Unidas, Movimento da Cruz Vermelha e Crescente Vermelho e Organizações Não Governamentais. Os actores governamentais terão um papel importante a desempenhar, complementar às acções destas entidades permitindo uma não duplicação de recursos e um preenchimento mais completo do espaço humanitário e das suas necessidades: As forças militares deverão ter como prioridade facilitar o acesso das organizações humanitárias às populações mais necessitadas, em particular em situações de conflito; A protecção civil, pelo seu lado, tem um papel a desempenhar no preenchimento de lacunas existentes, nomeadamente em situações de busca e salvamento em contextos de catástrofe natural, em particular durante a fase de urgência.

 

Estes actores deverão igualmente estar inseridos em estruturas de coordenação e integrados num esforço comum de prestar uma assistência eficiente e eficaz às populações mais afectadas.

• A UE e os Estados-Membros, em particular o Estado Português, devem garantir a existência de mecanismos efectivos de financiamento da ajuda humanitária comprometidos com os princípios humanitários e de eficácia da ajuda
 
Apelamos a que a UE e os Estados-Membros, nomeadamente o Estado Português, solidifiquem parcerias com organizações humanitárias, em particular com as organizações da sociedade civil, para a prestação de acções de ajuda humanitária orientadas de acordo com os Princípios Humanitários, que garantam a neutralidade, imparcialidade e independência da ajuda e exigindo que sejam garantidas as obrigações de eficácia e qualidade da ajuda e transparência no processo de prestação de contas. Apelamos ao esforço da avaliação das acções de ajuda humanitária e á existência de fundos independentes para acções de ajuda humanitária, geridos profissionalmente de acordo com critérios de necessidade e pertinência, acessíveis e adequados, para apoio às populações mais necessitadas em situações de catástrofe e conflito.