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O DESENVOLVIMENTO DE ÁFRICA

Na edição do dia 20 de Outubro, José Manuel Barroso –  munindo-se de uma entrevista a James Shikwati, um economista nigeriano defensor dos ideais do mercado livre, à revista brasileira Veja – veio propôr um exercício de reflexão em torno da ideia de que a ajuda atrasa o desenvolvimento de África.

Artigo saido no Diário de Notícias na tribuna livre do dia 8 de Novembro

As controvérsias sobre a eficácia da ajuda internacional para o desenvolvimento têm já longa data com as vozes críticas a acusarem a ajuda de engordar burocracias, criar dependências, perpetuar a má governação ou de enriquecer as elites dos países pobres. Tal como Shikwati, estas vozes críticas citam a pobreza generalizada em África  apesar de 30 anos de ajuda e apontam casos de países, que tendo recebido ajudas substanciais têm apresentado resultados desastrosos, como a República Democrática do Congo ou a Somália. Aos seus olhos, os programas de ajuda devem ser totalmente reformados, substancialmente reduzidos ou mesmo, como argumenta Shikwati, serem cancelados. 
Se é possível encontrar nas opiniões de Shikwati algo de verdade e com que possamos  concordar, também não deixa de ser uma visão simplificadora e redutora do papel da ajuda ao descartar alguns dos seus sucessos em África. No Uganda, por exemplo, e através da ajuda, o governo aboliu as taxas de acesso à saúde e formou 3000 novos profissionais de saúde. Em resultado, as taxas de vacinação para as crianças com menos de 5 anos de idade passaram de 41 por cento para 83 por cento. No livro que editou em 2004, Millions Saved: Proven Successes in Global Health, Ruth Levine, do Center for Global Development oferece mais dois casos de sucesso em África nesta área:
– a quase eliminação do sarampo como causadora de mortes infantis em vários países subsarianos (de 60,000 casos em 1996 para 117 em 2000) e;
-um programa de controlo da oncocercose (mais conhecida por cegueira dos rios) que desde que começou em 1974 evitou que 18 milhões de crianças contraísse a doença.
Na área da educação, graças à ajuda, o governo queniano passou a garantir o acesso gratuito ao ensino básico para todos levando 1,2 milhões de crianças a frequentar a escola. O mesmo aconteceu na Tanzânia onde o apoio ao orçamento do Estado em 65 milhões de libras, provenientes da ajuda internacional, permitiram a abolição das taxas de acesso ao ensino básico para todos. Em consequência, nove em dez crianças frequentam hoje a escola quando em 1999 a taxa de frequência era de seis em cada dez.
E mesmo em termos de desenvolvimento, não há nada como o exemplo do Botswana, ou a Excepção Africana como lhe chamou a revista britânica The Economist em 2002. Foi o país com o mais rápido crescimento per capita entre 1965 e 1995 e que que chegou a receber uma média de 127 dólares de ajuda internacional por pessoa anualmente.  Ou o caso de Moçambique que tem vindo a crescer 8 por cento por ano desde meados da década de 1990 e cujo crescimento não poderia ter sido sustentado sem as transferências líquidas de ajuda per capita de 54 dólares, vital para as infra-estruturas e a balança de pagamentos. Aqui, nos últimos cinco anos, a pobreza foi reduzida de 70 por cento para 55 por cento. O que estes exemplos revelam é que mais do que discutir se a ajuda atrasa ou não o desenvolvimento da África interessa assegurar que a ajuda internacional, e o seu aumento substancial nos próximos anos como se espera da parte dos países desenvolvidos, seja usada de forma eficaz e que responda às necessidades reais das populações locais. Porque durante muitos anos, a agenda da ajuda internacional mais não foi do que o reflexo dos interesses geoestratégicos e comerciais dos países doadores, das instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional ou de uma visão predominantemente governamental de quem dava o dinheiro. A eficácia da ajuda passa pois por ultrapassar esta agenda. Porque sem mais e melhor ajuda, tal como surge no relatório de 2005 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, os baixos rendimentos e a pobreza da África subsariana continuam a limitar a sua capacidade de crescimento económico e desenvolvimento sustentável. Os argumentos deste lado do debate, isto é, que a ajuda pode apoiar o desenvolvimento de África, estão na mesa.

Luís Mah
Oikos – cooperação e desenvolvimento