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Análise do Relatório do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento, da OCDE, por João Gomes Cravinho

João Gomes Cravinho, Secretário de Estado da Cooperação Portuguesa, fala à Newsletter da Oikos sobre o Relatório da OCDE

Exame do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento à Cooperação Portuguesa


Decorreu no passado dia 9 de Novembro de 2010 o mais recente “exame” do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE à Cooperação Portuguesa, na sede da OCDE em Paris. Foi um dia dedicado à análise e troca de opiniões entre os pares sobre o relatório que foi elaborado pelo Secretariado da OCDE ao longo de oito meses de análise e de entrevistas realizadas em Lisboa e em Cabo Verde. Em poucas palavras, este exercício esboça a imagem de Portugal como país doador, através da análise e avaliação da sua forma de fazer cooperação, de acordo com os compromissos internacionais assumidos.

 

Para Portugal, o trabalho da OCDE, e em particular do CAD, através deste tipo de mecanismo de avaliação, tem sido muito importante no processo de partilha de conhecimento com os outros países e sobretudo de melhoria das nossas práticas e políticas de desenvolvimento. De facto, durante a última década, os anteriores exercícios como este tiveram uma influência marcante na elaboração das políticas nacionais de cooperação para o desenvolvimento e ajudaram-nos francamente a evoluir.

 

Como é do conhecimento público, os resultados deste último exame foram recentemente publicados. Creio sinceramente que, apesar das dificuldades que temos de enfrentar, Portugal não deixa de ter boas razões para estar satisfeito quanto aos passos que tem dado na sua política de cooperação. Claro que há sempre muito caminho a fazer e muito espaço para melhorar, mas podemos também estar convictos de que o esforço dos últimos anos tem dado frutos sólidos. Em poucas palavras, para descrever os resultados do exame, assistimos a grandes progressos em termos qualitativos, embora haja melhorias a fazer em termos quantitativos, nomeadamente no que diz respeito aos nossos compromissos internacionais em matéria de APD.

 

Uma análise cuidada da reflexão apresentada neste relatório mostra a complexidade e as várias dinâmicas que foram tidas em conta neste exercício, e que vale a pena conhecer um pouco melhor. Desafio-vos, pois, a explorar o texto e a conhecer um pouco melhor uma realidade multifacetada e multidimensional.

 

Na minha leitura pessoal, o que merece antes de mais destaque é, sem dúvida, a constatação por parte do CAD de que Portugal fez um bom trabalho na implementação de grande parte das recomendações apresentadas no exame anterior. Significa isto que conseguimos ultrapassar muitas das fragilidades que nos foram apontadas em 2006, e que demos passos sólidos na concepção e implementação de políticas de desenvolvimento mais eficazes e mais cumpridoras daquilo que é a nossa responsabilidade face aos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). Ora, um dos maiores expoentes desta análise positiva resulta, sem sombra de dúvida, da adopção em Dezembro de 2005 do documento “Uma Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa” que, pela primeira vez na história da Cooperação Portuguesa, estabeleceu um ambicioso e detalhado programa de trabalho. Mas fez mais do que isso. Na verdade, as principais linhas de orientação política para esta área foram traduzidas num documento de operacionalização, que reflectiu um reforço importante do papel de coordenação do IPAD e que foi sujeito a um exercício de prestação de contas semestral, o que permitiu que se fizesse uma avaliação substancial do desempenho da Cooperação Portuguesa, no final da legislatura passada. Como tenho tido oportunidade de sublinhar frequentemente, têm sido as novas metodologias a ajudar a Cooperação Portuguesa a tornar-se substancialmente mais eficaz, mais visível, mais respeitada e mais séria, e creio ser este o caminho do futuro.

 

Apesar da valiosa experiência com a Visão Estratégica, e dos progressos alcançados em matéria de aprovação de estratégias sectoriais, de implementação de novos mecanismos do desenvolvimento e de coordenação interministerial, temos noção de que nem tudo foi positivo e que há, decididamente, lugar a francas melhorias em algumas áreas. Quero, no entanto, também deixar claro que acredito que, naquilo que depende directamente do IPAD, os progressos alcançados foram notáveis e resultaram de um esforço e de um empenho sólidos dos seus dirigentes e funcionários.

 

Sei, por outro lado, que a nossa capacidade de articulação interna e de resposta a situações de crise humanitária pode melhorar, e creio a esse respeito não ser demais reconhecer o importantíssimo papel que algumas das nossas organizações da sociedade civil têm vindo a desempenhar nesta área, ao longo dos anos. É também importante reconhecer que existe, ainda, trabalho a fazer com vista a reduzir a fragmentação da ajuda, e que é necessário um esforço e um investimento sérios para melhorar as nossas capacidades de comunicação com a opinião pública portuguesa. Sabemos todos que a temática do desenvolvimento não é um tema apelativo nem mobilizador na sociedade portuguesa, e que há, sem sombra de dúvida, um enorme esforço a fazer com vista a transformar esta realidade. Ainda a este respeito, e como tenho vindo frequentemente a afirmar, creio que apesar da capacidade de comunicação ser ainda, de facto, uma fragilidade da Cooperação Portuguesa, também fomos capazes de dar passos importantes na aproximação e promoção da participação da sociedade civil na definição de políticas públicas, através, por exemplo, da realização da iniciativa Os Dias do Desenvolvimento ou das sessões plenárias do Fórum da Cooperação para o Desenvolvimento.

 

Não querendo estender-me em demasia, permitam-me que me centre em mais alguns aspectos distinguidos pelo CAD, que acredito deverem ser mencionados, quando penso nos progressos feitos pela Cooperação Portuguesa nos últimos cinco anos.

 

Em primeiro lugar, creio que melhorámos muito significativamente a qualidade da nossa ajuda e a sua eficácia, porque conseguimos estabelecer prioridades claras e mensuráveis. Centralizámos a afectação dos recursos de APD nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, e canalizámo-la para os sectores e actores mais vulneráveis. Investimos muito tempo e esforço na harmonização dos nossos procedimentos com os de outros doadores, de forma a aumentar também a eficiência e transparência de processos, e apostámos fortemente na promoção da coerência das políticas, aprovando legislação e promovendo a coordenação interministerial em áreas como segurança e desenvolvimento, alterações climáticas e desenvolvimento e género, desenvolvimento e construção da paz, entre outros. A este respeito, merece destaque a recente aprovação da Resolução de Conselho de Ministros sobre Coerência das Políticas para o Desenvolvimento, que coloca Portugal num reduzido grupo de apenas quatro países com este tipo de legislação nacional.

 

Em segundo lugar, a forte capacidade que demonstramos para lidar com desafios muito complexos do desenvolvimento internacional foi repetidamente elogiada no exame. Creio que nem sempre se toma em devida conta que cinco dos seis países nossos parceiros prioritários estão na categoria de Países Menos Avançados, e que entre estes, diversos são mesmo considerados ‘Estados em situação de fragilidade’, onde frequentemente somos o principal doador. Esta realidade tem consequências práticas muito complexas e muito difíceis, que obrigam a uma capacidade de adaptação e de antecipação constante. Não duvidemos que esta é uma dimensão marcante da nossa Cooperação – tanto do Governo como da sociedade civil –, e que temos sabido desenvolver a este respeito um considerável know-how para partilhar com parceiros em muitos cantos do mundo.

 

Por fim, entre as principais recomendações feitas a Portugal, incluem-se a necessidade de estabelecer objectivos realistas de APD e de intensificar esforços nesta área à medida que a situação económica nacional melhore, bem como de promover uma maior diversificação das modalidades da ajuda e de simplificação de processos na sua canalização. Embora reconheça os progressos alcançados na coordenação e gestão da ajuda por parte do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), o CAD recomenda, ainda, que se continue o processo de melhoria da coordenação, controlo e eficácia, centralizando no IPAD todo o orçamento da Cooperação Portuguesa. Embora algumas destas limitações e áreas menos positivas se relacionem, em grande medida, com dinâmicas singulares e próprias da realidade portuguesa, nomeadamente no que respeita ao sistema de orçamentação e de gestão pública de recursos humanos, quero concluir reafirmando a minha grande satisfação com os importantes ganhos e resultados que a Cooperação Portuguesa tem conseguido, em termos de qualidade e de eficácia da ajuda, apesar dos escassos recursos ao seu dispor.

 

A Cooperação, como todas as políticas públicas, é feita com base nos recursos disponibilizados pelos contribuintes, e como tal, impõe-nos como responsabilidades indiscutíveis garantir que os recursos são utilizados de forma eficaz e eficiente, promovendo os objectivos traçados, e prestar contas do que se faz. Creio que este é mais um passo nesse sentido.


João Gomes Cravinho
Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação

Para ter acesso à versão alargada do relatório de avaliação (Portugal 2010), em formato PDF, clique aqui.

*Este artigo foi publicado na Newsletter da Oikos, edição Jan/Fev 2011.

Mais sobre este tema:

» Fátima Proença, da ACEP, fala à Newsletter da Oikos (ed. Jan/Fev2011) sobre o Relatório da OCDE

» Dossier temático Oikos: “OCDE – Exame da Cooperação Internacional Portuguesa para o Desenvolvimento”

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