Um Acordo final é sempre positivo, mas a Conferência da “implementação” termina em Belém sem resposta suficiente à urgência climática e mantém-nos numa trajetória de aquecimento de 2,5 graus em relação à era pré-industrial; roteiros contra desflorestação e para o abandono dos combustíveis fósseis por agora são apenas uma promessa fora da Convenção
Um dia após o previsto, terminou a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP30) em Belém no Brasil, onde, apesar de alguns elementos positivos que são sempre bem-vindos, mais uma vez continuou a falhar o essencial. Em particular, não se traça um roteiro imediato e claro para abandono urgente do uso de combustíveis fósseis, a principal razão para o aquecimento global, havendo apenas uma menção a um acelerador global da implementação (“Global Implementation Accelerator”). A Presidência brasileira da COP 30 prometeu trabalhar em dois roteiros – um contra a desflorestação e outro para o abandono de combustíveis fósseis, mas nada foi aprovado nesta COP30 como seria desejável e necessário. Este desfecho não responde à complexidade e à urgência das decisões necessárias para responder à crise climática global.
Mutirão: Sem plano para o abandono dos combustíveis fósseis, falhamos na resposta global à crise climática
O documento principal da COP30, o chamado “Mutirão”, um apelo da Presidência brasileira para uma mobilização global e um esforço conjunto das Partes contra as alterações climáticas, revelou fragilidades significativas, falhando completamente num elemento essencial que seria traçar um roteiro para o abandono dos combustíveis fósseis, concretizando o espírito do decidido há dois anos na reunião no Dubai. A iniciativa “Acelerador Global de Implementação”, como um mecanismo cooperativo, facilitador e voluntário, pretende dar um “empurrão” político e prático à implementação do Acordo de Paris por todos os atores e não apenas pelos governos. A lógica é acelerar ações reais no terreno para manter o objetivo de 1,5 °C ao alcance, ao mesmo tempo que se apoia diretamente na execução das Contribuições Nacionalmente Determinadas (metas de emissões dos países) e dos Planos Nacionais de Adaptação. Porém, não ter um plano de ação ; para retirada dos combustíveis fósseis, é uma submissão política aos interesses dos países produtores de petróleo, em particular da Arábia Saudita, ou dos que continuam a assumir que ainda precisam de muita energia proveniente do carvão, petróleo e gás natural fóssil, sem assumirem completamente uma desejável transição energética, como é o exemplo da Índia.
No domínio do financiamento climático, verificaram-se avanços. Porém, as novas metas de emissões de gases de efeito de estufa para 2035 traçadas pelas contribuições nacionalmente determinadas (NDC) são claramente insuficientes. Na implementação das NDC, estabelece-se apenas um processo para que a próxima Presidência recolha contributos e elabore um relatório para a COP seguinte, sem apresentar etapas concretas nem formular um apelo explícito para o seu reforço. Neste cenário, continuamos em rota para um aquecimento global projetado de cerca de 2,5 °C, perigosamente acima do limite dos 1,5 °C recomendados no Acordo de Paris.
A Transição Justa é referida com algum progresso, o que constitui um sinal positivo; contudo, sem um plano credível para o abandono gradual dos combustíveis fósseis, torna-se inviável reconhecer no Mutirão um verdadeiro pacote de justiça climática. E, apesar de a Presidência ter apelado a “um verdadeiro mutirão, uma mobilização coletiva de mentes, corações e mãos para concretizar o Pacote de Belém com rapidez, justiça e cuidado para todos”, o Plano de Ação de Género (GAP) ficou de fora das prioridades e com muitas divergências.
Por fim, a COP da “verdade” revelou que o business as usual continua a dominar as negociações, onde a participação da sociedade civil foi maior comparativamente com os três últimos anos, mas ainda limitada nos resultados. Na prática, a meta de limitar o aquecimento global a 1,5 °C face aos níveis pré-industriais continua em risco, com consequências e prejuízos enormes de um clima em mudança, principalmente para os países em desenvolvimento.
Para as três organizações, o Mutirão falha em responder à escala real da crise: a falta de um compromisso firme de eliminação progressiva dos combustíveis fósseis descredibiliza o esforço internacional e perpetua a inação. ZERO, OIKOS e FEC reforçam que a transição justa só pode ser considerada autêntica se assente em metas concretas, financiamento adequado e mecanismos robustos que garantam que nenhuma comunidade ou região é deixada para trás.
Transição justa – nasce um novo mecanismo
Tomou-se a decisão de criar um mecanismo de transição justa próprio, com o objetivo de reforçar a cooperação internacional, a assistência técnica, a capacitação e a partilha de conhecimento, com um mandato explícito para ser operacionalizado a partir de 2026 e aprovado na próxima COP. Os meios de implementação passam a ser uma condição essencial para transições justas nos países em desenvolvimento, salientando a necessidade de financiamento novo e adicional, preferencialmente a fundo perdido e que não agrave a dívida, reconhecendo também que o pouco espaço orçamental pode travar essa transição. Além disso, integra formalmente os resultados do primeiro balanço global feito há dois anos na reunião no Dubai, consolidando um enquadramento mais robusto de direitos humanos, igualdade de género e proteção de grupos vulneráveis/indígenas como parâmetros orientadores. Mesmo aquém do desejável, consideramos que foi um resultado positivo e a melhorar.
Adaptação – Finalmente há indicadores, mas limitados
No que respeita ao Objetivo Global para a Adaptação, reafirma-se este aspeto como um item permanente das reuniões da Convenção e adotam-se um conjunto de indicadores globais – os Indicadores de Adaptação de Belém – para acompanhar o progresso na adaptação. Porém, os indicadores são voluntários, não prescritivos e não podem criar novas obrigações, comparações entre países, condicionalidades de financiamento ou bases para responsabilidade/compensação, algo que as três organizações consideram como um aspeto fortemente limitante.
As novidades mais relevantes são assim: o encerramento formal do Programa de Trabalho Emirados Árabes Unidos–Belém e a adoção oficial dos Indicadores de Adaptação de Belém; o lançamento de uma nova fase de dois anos, a Visão Belém–Adis Abeba sobre adaptação, com uma força-tarefa técnica para desenvolver metodologias e orientar a aplicação dos indicadores; e a operacionalização do Roteiro de Adaptação de Bacu 2026-2028, com workshops e um documento técnico para acelerar a implementação. Reforçam-se ainda os meios de implementação para adaptação – financiamento previsível e acessível, tecnologia e capacitação – convidando o Fundo Global para o Ambiente, o Fundo Verde para o Clima e o Fundo de Adaptação a apoiar os países em desenvolvimento, fixando-se um calendário de revisão ligado ao Balanço Global e à atualização dos indicadores após 2029.
Novas regras de acompanhamento das metas de financiamento
Decidiu-se reforçar o Artigo 9.º(5) do Acordo de Paris para que os países antecipem e clarifiquem o financiamento climático, alinhando-o com trajetórias de baixas emissões e resiliência e respondendo melhor às necessidades dos países em desenvolvimento, incluindo um equilíbrio efetivo entre mitigação e adaptação. Para tal, foi atualizado um anexo que passa a incluir requisitos de reporte mais detalhados e comparáveis (metodologias, prioridades, critérios, “novo e adicional” e projeções desagregadas), estabelecendo a ligação destas comunicações à nova meta coletiva quantificada (1,3 biliões de dólares anuais de financiamento até 2035) e fixando um calendário regular de submissão e revisão. Foi igualmente assumido o compromisso de triplicar o financiamento para a adaptação, embora, infelizmente, cinco anos mais tarde do que o previsto na primeira versão do rascunho, ou seja, apenas em 2035. Em paralelo, reforçou-se o papel do Comité Permanente de Financiamento como pilar técnico deste novo objetivo, incumbindo-o de preparar o trabalho metodológico em 2026 e de produzir, a partir de 2028, relatórios bienais de progresso coletivo face à meta, cobrindo todos os seus elementos. Este mandato implica também o reforço da robustez e diversidade das fontes de dados sobre fluxos financeiros, garantindo maior transparência e comparabilidade entre países e instrumentos. Além disso, ficou previsto um acompanhamento mais atento do financiamento para adaptação para ajudar a corrigir o défice histórico nesta área e assegurar que o aumento prometido se traduz em impacto real. As três organizações consideram que são aspetos positivos para monitorizar melhor ações e o atingir das metas de financiamento que estão muito longe de ser atingidas.
Operacionalização do financiamento no contexto das metas de emissões
O Programa de Trabalho para a Ambição e Implementação da Mitigação deve passar a ajudar, de forma prática, os países a pôr projetos no terreno. O enquadramento político inclui acelerar a ambição e a implementação através de diálogos facilitadores, mas não impõem, como esperado, novos objetivos além das Contribuições Nacionalmente Determinadas. Os encontros anuais do programa que são focados no investimento passam a ter uma função de encontro entre interessados, isto é, uma ponte entre os países que precisam de apoio e as entidades que podem financiar. A ideia é que, nesses eventos, os países consigam apresentar necessidades concretas de mitigação e receber apoio para transformá-las em projetos prontos a serem financiados, incluindo acesso a subvenções e a empréstimos com condições mais favoráveis. A ideia é agora alargar a participação a mais bancos multilaterais de desenvolvimento, outras instituições financeiras e o setor privado a participar ativamente dado que são atores decisivos para dar escala ao financiamento climático. As três organizações consideram que um uso eficiente e transparente do financiamento é um elemento fundamental de implementação e, portanto, esta operacionalização pode ser uma ajuda significativa.
Plano de Ação de Género: Avanços limitados e negociações difíceis
O resultado das negociações do Plano de Ação de Género ficou marcado por um forte desacordo sobre a definição de “género”, com vários Estados conservadores a tentarem restringi-lo a “sexo biológico”, o que podia comprometer avanços das Nações Unidas. Delegações como as da UE, Noruega e Canadá defenderam uma abordagem mais inclusiva e interseccional, sublinhando que as mulheres continuam a ser desproporcionalmente afetadas pelas alterações climáticas e a receber apenas uma parte reduzida do financiamento climático para a igualdade. Para muitos países em desenvolvimento e organizações de mulheres, este debate desnecessário desviou atenções do essencial: garantir recursos e políticas eficazes para enfrentar desigualdades agravadas pelo aquecimento global. Apesar das tensões, foi adotado o novo plano de ação para 2026-2034, com revisão em 2029. As três organizações defendem que os debates climáticos devem garantir uma abordagem inclusiva, financiamento adequado e mecanismos robustos que assegurem que a justiça de género seja central na ação climática.
Apreciação final pela ZERO, OIKOS e FEC
A ZERO esteve representada por Francisco Ferreira, Presidente da associação e também Diretor do CENSE – Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade da NOVA FCT e por Islene Façanha, gestora de projetos e analista de políticas nas áreas do clima e energia, enquanto a OIKOS se fez representar pelo coordenador de projetos José Luís Monteiro. A Fundação Fé e Cooperação (FEC) esteve representada por Catarina António, Gestora de Projetos, e por Gustavo Lopes Pereira, Gestor de Comunicação. Esta participação permitiu acompanhar de perto os desafios, tensões e oportunidades que marcaram o rumo final das negociações.
Francisco Ferreira da ZERO considera que “a transição justa representa uma vitória histórica, com a linguagem baseada em direitos mais ambiciosa alguma vez alcançada num texto da COP. No entanto, este avanço convive com uma ambição enfraquecida em matéria de adaptação, a perda de compromissos financeiros e um preocupante silêncio sobre os combustíveis fósseis. Estas lacunas deixam-nos numa trajetória de 2,5°C, sublinhando o quanto precisamos de lutar para defender progressos reais contra aqueles determinados a atrasá-los”.
José Luís Monteiro da OIKOS, considera que “esta COP prometia muito. Era para ser a “COP da implementação”, a “COP da Verdade” mas, infelizmente, acaba por ser só mais uma COP. Com mais impasses que progressos e com mais desculpas do que verdades. No fundo é só mais uma oportunidade desperdiçada.”
Catarina António da Fundação Fé e Cooperação (FEC), considera que “apesar de toda a esperança depositada nesta COP, que se acreditava ser uma oportunidade para escolhermos coletivamente o futuro em que queremos viver, o acordo final mostra que se desperdiçou mais um momento fulcral para transformar os objetivos globais em resultados tangíveis”.