* Artigo de Rafael Drummond, Director Administrativo e Financeiro da Oikos, publicado no Portal Impulso Positivo.
A nova Lei de Bases da Economia Social, objecto de nossa intervenção nestas páginas, entrou em vigor no dia 7 do corrente.
E as reacções recebidas aos nossos textos anteriores justificam que voltemos ao tema, não sem antes sugerirmos, a quem trabalha no (ou se interessa pelas actividades do) Sector, a leitura atenta do referido diploma1 e, já agora, das posições sucessivamente apresentadas pelos vários partidos políticos, durante todo o processo legislativo que teve lugar na Assembleia da República2.
E a razão é simples: tendo estado em confronto diferentes concepções ideológicas sobre o papel, actual e futuro, do Estado na Sociedade e sobre as relações entre aquele e as organizações que compõem as várias “famílias-tipo” da Economia Social, é natural que, nas etapas posteriores à entrada em vigor da Lei, esse confronto continue. Não poderemos esquecer que, face à dimensão das necessidades sociais e ambientais que o Sector é chamado, crescentemente, a satisfazer (através dos serviços que presta aos seus utentes e das actividades que desenvolve em prol dos seus beneficiários3), será necessário um esforço redobrado na procura de novas soluções para maior eficiência e impacto das suas organizações. E é natural que essa procura faça surgir de novo as divergências patentes no referido processo legislativo.
Cabe-nos a todos, cidadãos e organizações, participar e acompanhar os próximos passos, pois, pelo seu âmbito de aplicação (artº 4º), todo o Sector estará sujeito à reforma legislativa que o próprio diploma prevê venha a ter lugar até ao final de 2013 (artº 13º).
Todos nós, de uma forma ou de outra, somos utentes e/ou beneficiários de organizações da Economia Social. Esta é assim uma oportunidade para influenciarmos “o quando” e “o como” se desenrolará essa reforma, sendo certo que, no actual contexto do país, ao ouvirmos a palavra “reforma”, é legitimo pensar que o poder político em funções pretenderá apenas reduzir as despesas e/ou aumentar as receitas públicas.
Ora, a Lei estabelece que “as entidades da Economia Social beneficiam de um estatuto fiscal mais favorável, definido por lei em função dos respetivos substrato e natureza” (artº. 11º).
Haverá que ver de que forma se traduzirá a continuação dessa discriminação positiva, sendo particularmente relevante não só o enquadramento estável das organizações perante cada imposto, em concreto, mas também a simplificação e a transparência nas suas relações com a Administração Fiscal4, em matérias como:
• a isenção de IRC nas actividades geradoras de receitas próprias, complementares ao financiamento dos fins estatutários através de subsídios e donativos;
• a existência de um regime misto de IVA, com identificação das actividades sujeitas e as actividades isentas deste imposto;
• a isenção de imposto de selo;
• a incidência de imposto sobre a aquisição e propriedade de imóveis e viaturas destinados à realização dos seus fins estatutários;
• consignação de quota de IRS pelas pessoas singulares.
Estas matérias têm estado associadas ao Estatuto de Utilidade Pública, conceito que a Lei de Bases pretende rever e que é aplicável, desde 1977, às associações, fundações e cooperativas que “…prossigam fins de interesse geral …e que, cooperando com a Administração Pública, mereçam da parte desta administração essa declaração…”. Sendo, na maioria dos casos, necessário até agora que essas organizações tenham três anos de efectivo funcionamento, cuja relevância cabe ao Governo apreciar5, é essencial discutirmos de que forma a intervenção dos poderes públicos se deverá fazer sentir no futuro.
A Lei de Bases prevê (artº. 13º – 2.b) ainda a revisão do Estatuto do Mecenato, regulado hoje no capítulo X do Estatuto dos Benefícios Fiscais e que apenas trata do conceito de “donativo”, atribuído por pessoas singulares e colectivas.
Veremos também em que medida a não aprovação, na Lei, da figura da empresa social dificultará o enquadramento, neste contexto, dos fundos para investimento social (constituição, movimentação e gestão), de que falámos em textos anteriores e cuja existência já é um facto.
Todos estes temas encontram-se hoje dispersos por demasiados diplomas, conduzindo a que qualquer situação concreta que se pretende resolver, no dia-a-dia das organizações do Sector, obriga à pesquisa pelo labirinto que eles representam, demasiado difícil sem um apoio jurídico especializado.
A sua importância para a gestão estratégica e operacional das organizações da Economia Social é conhecida. Desejamos apenas (e não é pouca a ambição) que a próxima reforma legislativa venha permitir clarificar e agilizar conceitos, metodologias e procedimentos, potenciando energias, competências e recursos para o Desenvolvimento Sustentável.
1 https://dre.pt/pdf1sdip/2013/05/08800/0272702728.pdf.
2 https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?ID=36468.
3 Ver informação sobre a recém-publicada Conta Satélite da Economia Social em https://www.cases.pt/atividades/contasatelitees.
4 Deixamos de fora destas considerações as normas aplicáveis ao subsector cooperativo, pela sua formulação diferenciada.
5 Actualmente, a competência está delegada pelo Primeiro-Ministro no Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. As ONGDs beneficiam da atribuição automática da utilidade pública por força de uma disposição específica da respectiva lei, que determina ser suficiente o seu reconhecimento e registo oficial.