* Artigo de Rafael Drummond, Director Administrativo e Financeiro da Oikos, publicado no Portal Impulso Positivo.
A não inclusão de uma figura, conceptual e juridicamente definida, de “Empresa Social” na nova Lei de Bases da Economia Social pode querer significar que os poderes públicos, em Portugal, não irão dar prioridade a políticas ou instrumentos de promoção dos negócios sociais.
Não devemos, contudo, dar uma importância excessiva a esse facto, pois, se a criatividade e capacidade de iniciativa necessárias para esse efeito não surgem por decreto, também não basta ser aprovada uma nova lei para que tudo fique resolvido.
Ora, sendo frequente em Portugal o sistema político só reconhecer soluções jurídicas quando elas já são uma realidade comprovada pelas experiências concretas no terreno, podemos ao menos agradecer “que não atrapalhem”.
Como o caminho se faz caminhando, felizmente que o potencial de transformação da realidade, social e ambiental, dos negócios sociais já está a ser demonstrado por esse mundo fora.
Em Portugal, a rede de pessoas e organizações interessadas no tema tem vindo a crescer ano após ano, ultrapassando os formatos legalmente definidos (e o alcance) das cooperativas de solidariedade social1 e as empresas de inserção2. Pelo que, a seu tempo, o enquadramento e a formulação concreta da figura das “empresas sociais” acabarão por beneficiar, no futuro, de todo um percurso já realizado.
Um negócio social é, num conceito surgido com M. Yunus, uma actividade economicamente equilibrada, concebida para resolver um problema social ou ambiental concreto através de um modelo de intervenção orientado para o mercado. Esse modelo deve gerar excedentes, necessários e suficientes, para permitir: a) financiar a sua consolidação e expansão, e/ou b) subsidiar a missão social da organização; nunca serão maximizados nem distribuídos pelos seus promotores.
Essa actividade tem de visar excedentes (ou lucro) na medida em que esse lucro é indispensável para assegurar a sua sustentabilidade a médio prazo, nisso se distinguindo dos projectos desenvolvidos através de subsídios públicos e/ou donativos privados.
Assim, qualquer Associação, Fundação, ONG, grupo de cidadãos e empresa privada podem, em parceria ou separadamente, criar, financiar e gerir negócios sociais, preservando a autonomia económica, financeira, patrimonial e fiscal da empresa social em relação a dos seus promotores.
Hoje, na Europa, a Social Business Initiative3 acolheu definitivamente as empresas sociais como as organizações que, utilizando estratégias comerciais, maximizam os benefícios sociais e ambientais das suas actividades. O desenvolvimento das empresas sociais centra-se agora nos chamados 4 M’s: Fundos (Money), Mercados, Modelos e Avaliação (Measurement):
a) Fundos – as empresas sociais irão continuar a necessitar de uma variedade alargada de instrumentos financeiros, desde subsídios públicos e donativos privados a empréstimos sociais e fundos para capital próprio. Os primeiros serão necessários muitas vezes antes do modelo de puro investimento social poder ser lançado, ou seja, antes de existir suficiente massa crítica e escala de operações para acolher investimentos que gerem adequado retorno.
Os novos Fundos Europeus de Empreendedorismo Social – EuSEF4 deverão fomentar a capacidade para as organizações acolherem fundos de investimento social o que passa pela disponibilidade e promoção sistemáticas de: i) formação em gestão e apoio na definição do modelo de negócio adequado a cada caso; ii) subsídios para a fase anterior ao arranque do projecto (pre start-up grants); iii) financiamento do arranque (start-up finance); e fundos para a subscrição de capital próprio (equity finance).
O fortalecimento da capacidade de gestão de projectos auto-sustentáveis e do capital de risco para fins sociais, bem como a divulgação alargada de mecanismos como, por exemplo, a Bolsa de Valores Sociais permitirão a partilha de conhecimentos, por toda a Sociedade, de novos instrumentos de financiamento e a mobilização de investidores sociais (tipo social business angels ou não), de agentes facilitadores (tipo social business brokers5) e, finalmente, dos organismos públicos.
b) Mercados – a reforma em curso da directiva europeia sobre contratação pública já criou a oportunidade para o debate do papel que as empresas sociais poderão vir a assumir no futuro próximo, neste domínio: De que forma estas empresas podem contribuir, por via da sua flexibilidade e adaptabilidade, para a transformação de serviços públicos? Ou como ponderar o valor social como critério de contratação e atribuição dos apoios de Estado, a exemplo do Social Value Act no Reino Unido.
O debate, em Portugal, sobre modelos de actuação e cortes orçamentais nas áreas da Saúde e Educação, evidencia como este tema se tornou particularmente actual.
c) Modelos – o crescimento das empresas sociais será potenciado pela variedade de soluções, legais e organizacionais, utilizadas em diferentes países (Community Interest Companies no Reino Unido; a L3C e a B Corporation nos EUA; Impresa Social em Itália), utilizando factores críticos de sucesso necessários para a melhor combinação entre eficiência económica e fins sociais, numa crescente escala de operações, e envolvendo todas as partes interessadas na sua gestão e governo.
d) Avaliação – o desenvolvimento da empresa social dependerá da demonstração do seu impacto, com a intervenção das principais partes interessadas: a experiência real de clientes e beneficiários, fornecedores, decisores e financiadores é indispensável para a construção de estudos de caso (story telling) que evidenciem a satisfação de necessidades reais e o cumprimento da missão da empresa. Inspiram e mobilizam para acção os investidores sociais, que podemos ser todos nós, focados na eficácia da intervenção e na criação de valor social. É a garantia do nosso envolvimento duradouro, potenciador de investimentos sustentáveis e geradores de uma mudança sistémica.
É claramente um caminho que vale a pena trilhar.
1 O regime das cooperativas de solidariedade social define que elas não visam fins lucrativos mas que os seus excedentes reverterão “obrigatoriamente para reservas”. Cabe à CASES a sua credenciação e a confirmação dos seus fins de solidariedade (Decreto-Lei n.º 7/98 de 15 de Janeiro).
2 Empresas de Inserção são pessoas colectivas sem fins lucrativos e as estruturas de pessoas colectivas sem fins lucrativos, dotadas de autonomia administrativa e financeira, organizadas segundo modelos de gestão empresarial e que tenham por fim: a) a reinserção sócio-profissional de desempregados de longa duração ou em situação de desfavorecimento face ao mercado de trabalho; b) desenvolver uma atividade económica produtora de bens e/ou serviços que satisfaça necessidades reais do mercado. A sua formulação resulta de uma política pública top-down designada por “Mercado Social de Emprego”.
3 Consultar informação detalhada em https://ec.europa.eu/internal_market/social_business/index_en.htm.
4 Ver notícia em https://www.eusef.eu/.
5 No mundo empresarial, os business angels são investidores individuais de capital de risco. Investem, diretamente ou através de sociedades, no capital de empresas com potencial de crescimento e valorização. Além do investimento monetário, contribuem, também, com conhecimentos técnicos ou de gestão bem como redes de contactos. Os business brokers são profissionais ou empresas que se dedicam à actividade de angariação, mediação e apoio na venda de empresas e negócios. Frequentemente, possuem contactos com grupos empresariais ou investidores, que procuram fazer aquisições em determinados sectores ou actividades.